Portaria foi assinada dias depois da deslocação ao Douro da missão de inspecção do Comité do Património Mundial. Ambientalistas alertam a UNESCO de que está a ser enganada pelas autoridades
Uma carta anteontem remetida ao Comité do Património Mundial da UNESCO chama a atenção para os incentivos financeiros agora aprovados pelo executivo de Passos Coelho para a construção da barragem do Tua, concluindo que aquele organismo está a ser enganado pelo Governo português. A iniciativa partiu do consórcio de associações que têm contestado o empreendimento e o documento é assinado pelo presidente da associação ambientalista Geota, João Joanaz de Melo.
Apesar de Portugal se ter comprometido a abrandar as obras e a aguardar pelo relatório dos peritos que, nos primeiros dias do mês, estiveram no Douro numa missão de avaliação dos impactos da obra sobre a classificação do Alto Douro Vinhateiro, dias depois foi aprovado "o montante anual do incentivo ao investimento" na construção de novas barragens, que, para o caso do Tua, prevê um total que ultrapassa os 33 milhões de euros, a ser pago ao longo de dez anos.
A missão da UNESCO terminou a visita ao Douro a 3 de Agosto e a portaria foi assinada três dias depois pelo secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, e esta segunda-feira publicada em Diário da República.
"As implicações desta decisão e o seu timing são claros e cristalinos: a EDP e o Governo português têm andado a enganar a UNESCO ao longo de todo este tempo sem se importar minimamente com as conclusões do relatório da missão", alerta a carta. No documento, o Governo e a EDP são ainda acusados de prosseguir "uma estratégia de facto consumado", pondo em causa o respeito pelos protocolos e a credibilidade das decisões da UNESCO.
Para os ambientalistas, além de constituir "uma benesse injustificada" para a EDP, a aprovação dos incentivos é também a prova de que o Estado português não está a respeitar o compromisso de aguardar pelo relatório da missão para depois decidir o futuro da barragem.
Obras a toda a força
Além da denúncia dos incentivos à construção, os ambientalistas remeteram também várias fotografias e documentos, procurando demonstrar que, "ao contrário daquilo que tem sido divulgado pelo Governo", as obras estão a decorrer "a toda a força". "Estão lá agora mais máquinas que há três meses", diz Joanaz de Melo, assegurando que têm recolhido fotografias diariamente. E deixa até o desafio ao Governo para que divulgue "o registo do número de máquinas e de trabalhadores na obra ao longo das últimas semanas".
Quanto aos incentivos agora aprovados pelo Governo, dizem respeito ao conjunto de todas as novas barragens ou obras para o aumento de potência nas já existentes. Tal como foi anteontem noticiado pelo PÚBLICO, o Governo anunciou que aqueles montantes representam até uma poupança substancial face ao que estava previsto no programa inicial negociado pelo anterior executivo liderado por José Sócrates com a EDP, Endesa e Iberdrola.
Diferente é a perspectiva dos ambientalistas, para quem estes apoios não passam de uma "benesse injustificada" para as empresas. Além disso, contrariam não só o próprio programa do Governo, como também as orientações comunitárias e o memorando com a troika, "que propõem medidas de eficiência energética e contrárias ao incentivo ao consumo", frisa Joanaz de Melo.
O responsável do Geota diz mesmo que o incentivo à construção de barragens "é um erro crasso em termos de política energética", já que Portugal tem actualmente excesso de capacidade instalada. Representa também uma "extorsão aos portugueses", já que nada justifica os montantes que vão ser atribuídos às empresas do sector eléctrico.
Por José Augusto Moreira in Público
Sem comentários:
Enviar um comentário