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terça-feira, 29 de março de 2011

BARRAGEM DO TUA: os subterrâneos da política

(Sócrates veio ao Tua inaugurar a 1ª pedra tumular de Trás-os-Montes.
E veio com segurança, sem oposição dos autarcas mais directamente envolvidos. Porque antes o terreno foi devidamente preparado com eficácia pela máquina regional do PS.
Já agora convém lembrar que a empreitada da barragem foi adjudicada pela EDP de António Mexia, ao consórcio Mota-Engil/Somague/FMS, cuja empresa-mestra é presidida pelo socialista Jorge Coelho, que também está a fazer o túnel do Marão e a A4.
Vamos lá tentar “escavar” estes subterrâneos políticos)

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Antes de mais, e para que se perceba a dimensão do problema, convém referir estes factos: a Barragem do Tua ficará situada a cerca de 1 Km da sua foz, terá um paredão com 108 metros de altura, um comprimento no coroamento (parte superior) de 275 metros, e a albufeira estender-se-á ao longo de 37 Km. Trata-se, efectivamente, de um monstro de betão, e de uma albufeira que eliminará o vale do Tua definitivamente.
Alterações do micro-clima, da fauna, flora, das condições de habitabilidade, e outras, serão sentidas perpetuamente, para além de algo que dinheiro nenhum do mundo paga: as consequências psicológicas de se fazer desaparecer do mapa toda uma região. Hectares de belezas naturais e patrimoniais que nunca mais ninguém verá. A Barragem do Tua vai destruir uma parte de Trás-os-Montes e, submergindo 16 Km de linha férrea, acabar com a linha de vez. Tudo isto em nome de um plano hidroeléctrico que por cá é responsável por barragens que representam 40% da produção eléctrica nacional, sem que, por isso, o bem-estar dos transmontanos e durienses tenha melhorado um vintém.
Posto isto, vamos então tentar perceber o que se passou.
A princípio, a oposição política à Barragem era grande. Uma das suas principais vozes era José Silvano (PSD), Presidente da Câmara de Mirandela, para quem a linha ferroviária do Tua era a única ligação do seu concelho à rede nacional. Das restantes Câmaras afectadas (Alijó, Carrazeda, Murça e Vila Flor) a contestação, se alguma vez se ouviu, era mais branda. E porquê?
Murça e Vila Flor são Câmaras lideradas em maioria pelo PS. Pequenas Câmaras mais interessadas (e habituadas) a esperar para ver se da mesa de Lisboa caem algumas migalhas, do que a intervir tomando posições em que se possam comprometer. E depois, e acima de tudo, são do PS, e este Plano Hidroeléctrico era da execução do PS.
Relativamente a Carrazeda de Ansiães, o seu Presidente, José Correia, foi eleito numa coligação PSD/CDS, mas ganhou por uma “unha negra” (só com 67 votos a mais) a uma outra coligação de independentes. Em último foi eleito Augusto Faustino, pelo PS. José Correia teve que governar em minoria, com um executivo de 5 elementos, formado por si e pelo seu colega de coligação, os dois eleitos da coligação opositora de independentes, mais o eleito do PS. Ora está mesmo a ver-se, nestas circunstâncias (2+2+1), em quem está o poder de fazer a maioria numa votação camarária. José Correia tornou-se assim, politicamente, “refém” de Augusto Faustino e, consequentemente, do PS.
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Entretanto, em Alijó, está Artur Cascarejo (PS) que governa em maioria, e que acumula também com o lugar de Presidente da Comunidade Intermunicipal do Douro, e é o político duriense que é visto mais vezes nos órgãos de comunicação social e que não perde evento onde possa ficar ao lado de uma câmara de TV (exemplos que confirmam as suas ambições políticas – e contra isso nada). Artur Cascarejo começa, a partir de uma certa altura, a ter uma atitude mais activa no processo. A ele se junta Ricardo Magalhães, Presidente da Estrutura de Missão do Douro, e serão estes que se encarregarão de limar as últimas arestas que se opõem à viabilidade da Barragem. Entretanto, o Dr. José Silvano mantém-se irredutível.
É então a vez de Artur Cascarejo assumir publicamente e com veemência, que Alijó quer a Barragem (como se tivesse feito algum referendo) e, numa célebre entrevista à Rádio Bragantia, com ar sério mas denotando uma fragilidade como nunca lhe vimos, argumenta a favor da Barragem com base no espelho de água imenso que poderá ser um potencial turístico, nos 4 pólos museológicos que vão nascer, fruto da colaboração do Museu do Douro com o Museu de Favaios, e na Agência que vai gerir o futuro Vale do Tua.
E fiquei pasmado. Porque até já tinha elogiado o Dr. Artur Cascarejo por opções que tomou pelo modelo de regionalização e outras opções para a região, e senti naquela altura que havia ali algo mal explicado. Senão, vejamos: seria isto a base da sua argumentação para defender a Barragem? Um espelho de água? Quantos há no Douro? E que nos trouxeram? E 4 museus? 4? Ainda por cima com o aval do Museu do Douro? Que nem o seu sabe governar? Alguém vem ao Tua ver 4 Museus? E Museus de quê?
Mas depois, percebi. A tal Agência, de que se vinha falando, é que era o busílis da questão! Disse ele que a tal Agência era para gerir o Vale do Tua. Lapso seu, porque o Vale seria submerso e deixaria de existir. Mais tarde emendaria: futuro vale ecológico, ou zona natural, ou coisa que o valha. Algo a construir, portanto. Mas, como disse, a questão prendia-se com a tal Agência.
É então que a figura da tal Agência começa a ganhar forma, estrutura, e o aval de Lisboa. Começa assim a gestação efectiva da Agência Regional de Desenvolvimento do Tua. Não é que esta ideia das Agências Regionais fossem algo de novo, mas era agora algo de concretizável. De tal modo que o Governo garante logo à partida verbas para a sua instalação. Era uma migalha para o montante envolvido no negócio da Barragem. E o objectivo dessa Agência é gerir os 3% que a EDP anualmente pagaria como comparticipação na produção de energia produzida pela Barragem. A EDP daria um chouriço e receberia um porco!
Restava, como opositor, o Dr. José Silvano de Mirandela. Mas não durou muito a oposição do Dr. Silvano, já que dá o dito por não dito e altera o seu discurso em Janeiro deste ano, aproveitando, como desculpa, o empurrão do despacho da Ministra do Ambiente que aprova o projecto da Barragem.
E diz o Dr. Silvano que desiste de lutar contra a construção da Barragem, desde que seja garantida a mobilidade entre a Barragem e Mirandela, e desde que a gestão dos 3% da comparticipação da Barragem fossem geridos pela tal Agência.
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Ninguém entendeu esta cambalhota do Dr. Silvano, tanto mais que já se sabia que a mobilidade nunca seria garantida. Ou seja: com a submersão dos 16 Km da linha do Tua, a ligação ferroviária a Mirandela acabaria.
A EDP, no entanto, garantia essa mobilidade, e até se comprometia a pagá-la. E de que maneira? Chegados os utentes de comboio à Estação do Tua, há que sair, seguir de barco até à barragem, depois subir em funicular, da base do paredão até lá acima à albufeira, aí embarcar num ferry até Brunheda, retomando depois a viagem de comboio numa linha ferroviária totalmente remodelada tipo Metro de superfície, até Mirandela.
E será que alguém com a cabeça em cima dos ombros acredita que isto tem alguma viabilidade? Isto não dá vontade de rir? Então de Inverno, com ela a cair rasgadinho, o vento a soprar como doido, andar a subir em funicular e fazer-se às águas de barco, deve ser algo tão apetecível como fazer uma viagem no Titanic!
Mas mesmo que isso se concretizasse, a REFER já tinha dito que a submersão de 16 Km de via era o fim da linha do Tua! Por outro lado, de Brunheda a Mirandela, são 33 Km de comboio. A remodelação deste troço de via custa 30 milhões de Euros, dos quais a EDP só garante 10 M. Os restantes 20 M têm que ser pedidos à UE com a intervenção da CCRN. Ou seja, só um terço do dinheiro está garantido, e mesmo assim a REFER não quer reactivar a linha porque naquelas condições (viagem de funicular e depois de barco), a restante linha será ainda mais deficitária do que já é.
Conclusão: Mirandela vai ficar, seguramente, sem linha ferroviária.
Perante a precariedade evidente da garantia de mobilidade a Mirandela, o que levou o Dr. José Silvano a mudar tão depressa de opinião?
Contudo, e apesar da lógica de todos estes óbices, o certo é que, por estes dias, logo antes da visita de Sócrates e da célebre inauguração da 1ª pedra da Barragem, os cinco autarcas reuniram-se sob o patrocínio da Estrutura de Missão, e assinaram o protocolo de formação da tal Agência bem como os seus Estatutos. Estatutos esses que só esses autarcas e Eng. Ricardo Magalhães conhecem.
Estatutos de uma Agência Regional de Desenvolvimento que não vai desenvolver nada, mas que vai gastar os tais 3% em ordenados de Administradores, Assessores, Consultores, e pessoal apadrinhado, desenvolvendo depois projectos que, esses sim, aguardarão aval do Orçamento de Estado. Ou seja: lucros da EDP para pagar mordomias a políticos, e projectos para serem pagos com os nossos impostos. Esta Agência tem assim cara de ser uma espécie de Conselho de Administração da EDP, mas em ponto pequenino. Em ponto de 3%. Esta Agência será mais um albergue dourado da classe política. Senão, é esperar para ver quem se vai sentar nos tais lugares. Senão, é ver quando os senhores Presidentes de Câmara da região terminarem os mandatos e não puderem, por força da lei, continuar a exercer as presidências autárquicas, que cargos irão ocupar. É tudo uma questão de tempo.
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Mas há ainda outra questão estranha. O facto é que, quando damos voltas a estas coisas do princípio ao fim, acabamos por tropeçar sucessivamente em gente do PS. É que a empresa-mestra do consórcio que vai construir a Barragem (o consórcio a quem a EDP adjudicou a obra, é a Mota-Engil/Somague/MFS), tem como Presidente o socialista Dr. Jorge Coelho. Empresa que também está a fazer a A4.
Por outro lado, logo que começou a falar-se na eventual queda do Governo, a Ministra do Ambiente e restantes, trataram logo de assinar as papeladas de aprovação do projecto e, por sua vez, a EDP já tinha a obra adjudicada ao tal consórcio. Isto é que é rapidez! Melhor dizendo: eficiência! E Sócrates veio logo a correr fazer a inauguração da obra, não fosse o diabo tecê-las! Porquê tanta pressa?
Se isto fosse um puzzle, eu diria que as peças se encaixam na perfeição. A escritora Margarida Rebelo Pinto diz num dos seus livros que “Não Há Coincidências”.
Mas eu, que até não sou particularmente adepto daquela escritora, e que detesto fazer puzzles, até acho que isto é tudo uma coincidência, que não há subterrâneos na política, que a Barragem do Tua vai ser uma maravilha, que Trás-os-Montes com ela vão ter um desenvolvimento tremendo, que os senhores autarcas têm plena consciência da herança positiva que deixam para o futuro, que os boatos sobre os seus interesses na Agência são puras calúnias, que a Estrutura de Missão é uma instituição que veio para o Douro para o ajudar a crescer e a resolver os seus problemas e que essa coisa de ser o “pau mandado” do Governo é um insulto injustificável, que António Mexia é um homem que está a fazer o melhor para o país apesar de nos cobrar nas facturas o que não gastamos porque se trata de um investimento no futuro, e que Sócrates é um homem com uma visão genial, um visionário, e que por isso é um incompreendido.
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E depois, meus amigos: pensem como é belo um paredão de cimento com 100 metros de altura a tapar o vale do Tua!
E como é belo um lago de 37 Km tendo no fundo o património e os esqueletos do nosso passado milenar!
Acho até que a tal Agência pode comprar submarinos para que os turistas possam visitar o Vale do Tua. Olha que rica ideia que eu tive!
E para que são precisas as linhas ferroviárias?
Vem aí o futuro! Abaixo as linhas ferroviárias! Vivam as naves espaciais! Vivam os OVNIS!

Por Francisco Gouveia, Eng.º
gouveiafrancisco@hotmail.com

Transcrito (porque vale mesmo a pena divulgar) de: Notícias do Douro (aqui)

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

PEV levam Linha de Tua à Comissão Permanente da Assembleia


Declaração política do Deputado Francisco Madeira Lopes (PEV) sobre os acidentes na Linha do Tua, proferida na Assembleia da República a 9 de Setembro de 2008

Sr. Presidente, Srs. Deputados,
A linha de caminho de ferro do Tua sofreu no passado dia 22 de Agosto o seu quarto acidente num espaço de cerca de ano e meio.

Esta situação é absolutamente lamentável, em primeiro lugar pelas vítimas mortais, feridos e seus familiares para quem vão as nossas primeiras palavras.

Mas desde logo porque esta é uma linha que, ao longo dos seus 120 anos de existência, felizmente, pouquíssimos acidentes graves registou (e menos ainda com vítimas mortais).
É uma linha que acompanha o vale do rio Tua e goza de uma paisagem patrimonial única que fazem dela uma das mais belas do mundo, e que, como todas as linhas de montanha, deve dispor das habituais medidas de segurança e de prevenção de risco.

É ainda uma linha que teimosamente persiste em garantir o direito à mobilidade e acessibilidade das populações não permitindo o seu isolamento e constituindo uma porta aberta de oportunidades para aquela região de Trás-Os-Montes.

Infelizmente, esta sucessão de acidentes, inexplicados, é estranha e não deixa de incomodar pela curiosa coincidência no tempo com a intenção declarada de construir uma barragem que sempre será absolutamente incompatível, seja qual for a quota, com a sua sobrevivência por cortar a ligação à linha do Douro e ao resto do país.

Apesar de “Os Verdes” considerarem muito positivas as recentes declarações da Sra. Secretária de Estado dos Transportes que reconheceu a beleza e importância desta linha para a mobilidade da região, revelando uma mudança de postura só possível por quem visitou o local, a verdade é que o Governo continua a defender a construção da barragem ao mesmo tempo que acena com a miragem de alternativas à linha, rodoviárias ou mesmo, uma nova linha, num outro traçado e com outro espaço canal.

Para “Os Verdes” essas pseudo-soluções alternativas só servem para tentar vender a barragem aquela região e desistir da justa luta pela manutenção da linha do Tua, que se encontra geneticamente ligada ao Vale do Tua e com a submersão do qual deixará simplesmente de existir. Para sempre.

É por isso fundamental não permitir que estes acidentes sirvam de argumento para o encerramento definitivo da linha e exigir que nenhuma suspeita fique no ar. É fundamental que toda a verdade venha ao de cima e que a culpa não morra solteira.

Recordamos que, neste momento, após uma grande insistência desta bancada, através de requerimentos, intervenções e um agendamento potestativo em Comissão, só mais de um ano depois do primeiro acidente é que nos foram entregues, tirados a “fórceps”, os relatórios do inquérito ao primeiro acidente!
Como é que é possível, num momento em que a linha foi reparada e sujeita a investimentos, está mais vigiada do que nunca, nem linha, traves, aterro ou encostas, nem material circulante parecem apresentar anomalias, segundo as entidades responsáveis e o Sr. Ministro, um comboio, que circula com marcha à vista, numa recta, com boa visibilidade, descarrilar?

“Os Verdes” lamentam profundamente não poder, já hoje, nesta reunião da Comissão Permanente, interpelar o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, responsável por garantir a segurança de um dos mais seguros meios de transporte, como propusemos e foi rejeitado, e anunciamos que não descansaremos nesta casa enquanto não forem prestadas todas as explicações e fornecidos todos os elementos que permitam aferir com rigor, clareza e transparência a verdade sobre os acidentes no Tua.

O Parlamento, e mais que isso, as vítimas e suas famílias, as populações, as associações locais e autarcas daquela região e os portugueses em geral têm o direito a conhecer o mistério de derrocadas inexplicadas e de descarrilamentos sem nenhuma causa aparente. O Governo deve explicações convincentes.

Fonte: Pravda

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Ou Tua, ou Rua



Fosse eu homem cá de crendices, e até havia de dizer que anda o mafarrico à solta ali para os lados do Cima Corgo. Quer dizer, está uma linha do comboio, por sinal uma das mais belas do país e arredores, cento e vinte anos sem qualquer acidente digno de registo, e agora num escasso ano e meio, acontecem nela nada mais nada menos que quatro acidentes graves com mortos e tudo.

Num troço curto de uma dúzia de quilómetros, quatro desinfelizes tiveram funesto encontro com a mulher da seitoura, e num fechar de olhos que jamais se descerraram, foram-se encavalitados nas asas do anjo negro, como se andar por ali em maravilhosa viagem de encantos assombrosos fosse do desagrado de quem tudo pode. Mais parece que tal coisa não é para simples mortais.

Quatro horas más em pouco mais de duas mãos cheias de meses. Como de costume cérebros esclarecidos e esforçados encomendaram rigorosos inquéritos a doutas mentes, daquelas que descobrem até a razão de a agulha ter um buraco, mas findas as diligências, ninguém consegue encontrar razão inequívoca para as desgraças. Coisa assim sem explicação, tenho para mim que mesmo só obra de belzebu ou alguém por ele. Cruzes canhoto que se esconjuro, arreda-te para lá chifrudo que até se me arrepia a espinha, só deitar para a tua presença. Credo.

Ainda agora, e depois deste ultimo acidente ocorrido a vinte e dois de Agosto, um punhado de adolescentes desapertou à mão e tirou linha fora parafusos daqueles que parecem dar para apertar o mundo nos seus eixos, mas continua-se sem saber a causa das coisas. Um bem colocado senhor no atapetado do seu gabinete disse que tal desiderato é impossível, pelo que nada me custa acreditar que ou os voluntariosos jovens são marcianos de força descomunal, ou então não passam de uns mariolas que se querem divertir à nossa custa e espalharam parafusos ao longo da via, para depois fazerem de conta que os despertavam. Claro que pode acontecer que o tal senhor não veja estadulho em olho próprio, e aí então a coisa muda de figura. Mas pronto!
Mesmo o facto de naquela linha circularam automotoras nitidamente desadequadas por serem altas e estreitas, nada diz aos esforçados senhores dos inquéritos. São estéticas, tem um ar todo urbano, e logo basta para que sejam tidas como recomendáveis. Dão um ar de modernidade no meio do campo, e só isso pareceu bastar quando alguém decidiu coloca-las ao serviço entre o Tua e Mirandela. À empresa detentora da concessão deu-se-lhe o nome de «Metro» para se dar um ar menos rural, e sem silvos lá se garantiu o funcionamento da linha pelo menos até agora.

Num país que com toda a parolice e contra o correr dos tempos desactivou quase tudo o que era linha de caminho de ferro no seu interior a troco de rodovias mais prejudiciais que benéficas em termos de ordenamento do território, parecia que se salvava assim uma das jóias ferroviárias da rede nacional de comboios. O turismo virou moda, e com ele a linha do Tua ganhou procura e valor. Nada mais nada menos que 40 mil almas passam anualmente pelos bancos das carruagens que circulam ou circulavam a roçar o rio Tua.

O problema, é que a paginas tantas da nossa governação, há já uns anos, os comboios foram mandados parar, e as atenções viraram-se para outros meios de transporte. Desinvestiu-se nas linhas férreas mesmo significando isso o desarticular de uma estrutura importante da coesão nacional. Com a linha do Tua, aconteceu por maioria de razão a mesma coisa. É longe, é no interior, e contam-se por poucos os boletins de voto necessários para quem ela serve em primeira necessidade. Então depois que se concluiu que mais mês menos mês ela é para desactivar, para que atentar nela?

No entanto, continuam sem achar explicação para as desgraças os senhores que mandam e os que buscam as pistas. Para mim, a esses e outros que tais, castigava-os com uns meses de trabalho e de vida naquelas bandas. Era como antigamente quando se dizia aos ferroviários tresmalhados a castigar:
- Ou Tua, ou rua!
Podia ser que esconjurassem a coisa má que anda por lá. Digo eu.

Manuel Igreja; Diário de Trás-os-Montes
Publicado com a devida autorização do autor.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A linha do Tua


Viajar pela via-férrea do Tua – talhada a machado por deuses escravizados – é experimentar o efeito alucinogénio de pendurar os olhos numa janela donde se vê o chão do céu. Começou por ser um rio de esperança, a linha do Tua. Um rio de esperança que o sono dos homens afugentou. É, agora, antecâmara das memórias. Um modo ingénuo de gastar o que resta da sola dos sapatos ou, quiçá, o derradeiro sopro antes da nudez. Uma certa ocultação, por intermédio de metáforas, dos suspiros que suspiramos e não queremos. É não entregar o corpo – o corpo do comboio ainda morno – às águias da noite.
Mas viajar no comboio do Tua é, ainda e sempre, uma feira de emoções. Ora sob a luz, coada pelas nuvens rasantes, que vai delindo as arestas daquilo que nos chega, transportando-nos para dentro de um espelho – o espelho baço da noite; ora sob o sol que escorrega, espesso, pelas margens do rio. Como se alguém houvesse derramado sumo de laranja nos bicos das montanhas. Sumo que, por ser espesso, escorre com lentura, sem pressa de se dissolver nas águas do rio.

O viajante busca o sonho, qualquer que ele seja, sabendo que os pesadelos são apenas as curvas da viagem. Aqui, dentro do Vale, nas entranhas de um túnel, apenas a escuridão é palpável. Tal como são palpáveis as sombras quando vivemos dentro do medo.
Mas viajar é, também, entrar em cena sem que algum director, ou quejando, tal nos ordene; desenhar milagres de cruz; mergulhar nos olhos de quem nos vê, e – porque a morte é como Deus, está em todo o lado – tropeçar na barragem que não vemos mas está lá, a joeirar penumbras nos olhos do comboio.
A morte é o epílogo de todas as viagens. Uma vida que é substituída por outra vida que, por sua vez, é substituída por outra vida… até ao além… onde a viagem nunca acaba e, alucinados, perguntamos: ubi veritas?

Jorge Laiginhas
(Transcrito do Diários de Trás-os-Montes, com autorização do autor)