Conservar uma paisagem longamente intervencionada, como é a do vale do
Tua, implica conservar os processos que a construíram e mantiveram.
“Centremo-nos, por economia de argumentação, no Douro vinhateiro, património mundial. As intervenções a que hoje atribuímos este estatuto patrimonial não podem, em qualquer análise, ser consideradas como intervenções de pequena escala e respeitadoras da paisagem pré-existente.
A sedimentação das intervenções que resulta de um tempo longo, apesar da escala de intervenção gigantesca, leva-nos a aceitar mais facilmente estas alterações que outras mais pequenas, mas muito mais concentradas no tempo, como parques eólicos, barragens ou estradas.(…)
Quer sejam florestações extensas, largas urbanizações, barragens, esporões, estradas, parques eólicos, cortes de árvores, todos nós, quando não directamente envolvidos, sentimos uma perda, se, de repente, a paisagem que sempre nos pareceu imutável nos aparece alterada."(1)
Conservar uma paisagem longamente intervencionada, como é a do vale do Tua, implica conservar os processos que a construíram e mantiveram.
Vem isto a propósito da discussão sobre a barragem do Tua e das suas implicações na paisagem.
A paisagem do Tua é uma paisagem lindíssima que conheço de muitas vezes ter lá passado, em especial de comboio. Nas 14 horas que a viagem entre Bragança e Lisboa demorava foi muito o tempo que passei a olhar, fascinado, aquela paisagem em ruínas.
A paisagem do Douro vinhateiro também a conheço, incluindo de comboio. E olhar para essa paisagem, vibrante, cheia de actividade e com uma economia invejável, também me fascina.
Qualquer pessoa tem a percepção imediata e intuitiva da distância que vai da paisagem do Douro vinhateiro à paisagem do Tua.
O que digo acima não torna a paisagem do Tua irrelevante, que não é, mas coloca o problema da sua relevância patrimonial num patamar que vale a pena discutir.
Esses processos estão hoje mortos ou moribundos, ao contrário do que se passa no Douro vinhateiro. As pessoas emigraram, os cereais de Inverno desapareceram, o gado raramente se vê, os olivais estão abandonados, os amendoais fugidos e as hortas deixaram de ser fabricadas.
A opção não é pois entre conservar uma paisagem ou fazer uma barragem, mas a escolha entre um processo de evolução comandado pelo abandono ou outro processo de evolução assente numa barragem.
Não tenho posição definida sobre a barragem do Tua, ao contrário da do Sabor, que contesto. Mas gostaria de ver uma discussão séria e profunda sobre a paisagem do Tua, com base na sua história e no que se pode prever que seja o seu futuro, clarificando que valores sociais estão em jogo em cada uma das opções.
Infelizmente o que vejo é a paisagem ser usada como mais um pretexto para marcar a posição de cada um sobre a barragem.
A paisagem merecia bem mais que isso, porque não é um cenário, é um património vivo, constantemente em mutação, que reflecte grande parte da nossa identidade.
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(1) “Do tempo e da paisagem”, Principia, 2010
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segunda-feira, 29 de julho de 2013
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Acidente na barragem do Tua faz três mortos
Três trabalhadores morreram esta quinta-feira soterrados, na sequência de um acidente ocorrido nas obras da barragem da Foz do Tua.
Na origem do acidente terá estado um aluimento de terras no local onde decorriam as obras, que terá levado à queda de uma máquina.
O número de vítimas mortais foi entretanto confirmado à Sic Notícias pelo vice-presidente da câmara de Alijó, Adérito Figueira.
O mesmo responsável não adiantou as razões que motivaram o acidente, por serem ainda escassas as informações, mas disse que não deverão existir mais vítimas a lamentar entre os trabalhadores.
Notícia atualizada às 15.10 horas
Fonte: A Bola.pt
quinta-feira, 2 de abril de 2009
Chegou a primavera à Linha do Tua

Pensei receber a Primavera a caminhar ao longo da linha, e foi isso que eu fiz, dia 21 de Março. Escolhi um percurso mais ou menos longo, Brunheda- Foz-Tua.
Desloquei-me de carro até à ponte da Brunheda. O céu estava limpo, fazia frio e havia alguma neblina que se manteve durante todo o dia. Cheguei à linha às 10 horas da manhã, o que me parecia muito bom uma vez que apenas necessitava de estar em Foz-Tua às 18 horas, tinha 8 horas para caminhar.


Pouco depois encontrei mais uma daquelas prospecções enigmáticas. Retiram uma travessa e abrem um orifício no centro da linha. Penso que o objectivo é avaliar a consistência do terreno. Vi os furos que já me tinham chamado à atenção em viagens anteriores, mas não vi nenhuma máquina.



O céu perdeu a cor e os rochedos semeavam zonas de sombra na linha. Tornou-se complicado fotografar. Se a máquina está regulada para fotografar para jusante, de frente para o sol, não é possível fazer nada de jeito para montante. Gosto de regular os parâmetros da fotografia manualmente, mas é preciso tempo.


sábado, 7 de fevereiro de 2009
A caminhar de Brunheda até Foz Tua

As mais recentes notícias sobre o futuro da linha do Tua lembraram-me que eu ainda não fiz a habitual “reportagem” da minha última caminhada. Aconteceu no dia 24 de Janeiro e decorreu entre Brunheda e Foz-Tua. Esta caminhada insere-se naquilo que eu chamo como o Passeio de Inverno, numa tentativa de percorrer a extensão da linha que vai de Foz-Tua a Mirandela, durante os meses de Inverno.
Houve algumas alterações nos horários dos táxis que fazem o serviço da linha, e, nesta etapa, eu necessitava de os utilizar. Mais uma vez desloquei-me para a estação de Abreiro onde cheguei pouco antes das 10 da manhã. Podia arriscar partir dali, mas não o fiz porque achei que não tinha tempo suficiente para chegar ao Tua com luz do dia. Pouco depois chegou o táxi, que já vinha do Cachão.

A noite do dia 23 foi repleta de rajadas de vento fortíssimas. Mesmo ao longo da estrada encontrei muitas árvores caídas, algumas de grande porte. Também a chuva caiu com velocidade e em quantidades assustadoras. A água do rio corria turva e com redemoinhos pouco habituais.
Comecei a minha caminhada em direcção ao Tua com 8 horas disponíveis. Sabia por experiências anteriores que eram suficientes, mas nunca se sabe o que vamos encontrar ao longo de 21 km. O principal risco da viagem era sem dúvida o estado do tempo. Depois da tempestade da noite anterior, anunciavam-se novas réplicas, e, caso me surpreendessem a meio do caminho, não havia outra alternativa senão seguir em frente, até chegar ao final da linha.
O ar estava muito frio, talvez 5 graus, mas o céu abria-se num azul profundo, fazendo-me esquecer os riscos, encantando-me com o verde da paisagem, apesar de estarmos no Inverno.
Em poucos minutos passei o local do acidente de Agosto passado. Há poucos vestígios dele. Se não tivesse estado ali no próprio dia, talvez não me apercebesse do que ali se tinha passado.
Ao quilómetro 19.º a linha está mesmo em péssimas condições, mas hoje vou apenas falar das coisas boas.

Decidi também fazer o levantamento da rede de telemóvel ao longo do percurso. Depois do acidente de Agosto foi comentada a colocação de um retransmissor em território de Alijó para melhorar a comunicação no vale. A minha rede é a Vodafone, mas ainda não tinha detectado qualquer sinal de rede.
Apesar da estação, algumas flores teimam em florir em plena época fria, é o caso da candeia (Arisarum vulgare). Outras, com os bolbos cheios de energia, começam a crescer em força, preparando-se para um início de Primavera em beleza. Nesta zona há muita cebola-albarrã (Urginea maritima), gladíolos (Gladiolus illyricus), jacinto-dos-campos (Hyacinthoides hispânica), etc. Antes de chagar ao S. Lourenço ainda me deliciei a fotografar alguns fungos que crescem nos troncos dos carrascos e sobreiros.

A formação rochosa que existe ao quilómetro 15º é única na linha e chama a atenção de todos os que por ali passam, a pé ou de automotora. Demorei algum tempo procurando os parâmetros de exposição adequados para registar o quadro. Não é fácil fotografar na Linha do Tua. A linha mergulhada nas sombras e os raios de sol que fazem brilhar as encostas mais acima, criam dois campos com luminosidade tão distinta que obrigam a esquecer todos os mecanismos das câmaras modernas, marcando os parâmetros da fotografia manualmente, ajustados em várias tentativas.
Pouco depois de se atravessar um “canal” rochoso onde mal há espaço para a linha, começam a ouvir-se as águas agitadas já próximas do Amieiro. No rio há uma pequena cachoeira, mais evidente quando tem um menor caudal.

Foi nesta zona que vi duas lontras, numa outra caminhada. Segui com atenção ao rio, mas não vi nada de semelhante. Pouco depois o sol brilhou de novo.
Depois da ponte de Paradela a linha ganhou magia. A humidade no ar reflectia a luz criando uma atmosfera que não vi em viagens anteriores. De cada vez que o sol penetrava por entre as nuvens, iluminava os musgos cheios de verde, embriagados de água que pingava em cada rochedo. Descobri logo a seguir que percorrer os túneis, durante o Inverno, não é tão fácil assim, principalmente os mais longos. Quando são em curva, há um momento em que se fica em completa escuridão.

Voou da água do rio uma ave completamente branca! Tinha contornos de ave de rapina e voava com majestade. Não era uma garça, fiquei intrigado.
O vale foi ficando cada vez mais sombrio à medida que me aproximava do Túnel das Fragas Más II (túnel do Boitrão nas cartas militares). Depois dos dois túneis, vem outra das curiosidades da paisagem: um conjunto de cascatas com várias dezenas de metros por onde a Ribeira de S. Mamede de Ribatua se precipita no rio Tua.


As fotografias do último quilómetro já foram tiradas com a sensibilidade da máquina a ISO 1600, só para recordar. Quando cheguei a Foz Tua eram 17:50horas. Segui para o chefe de estação para lhe comunicar a localização de alguns objectos que encontrei ao longo da linha, fruto de tempestade da noite anterior. Assim, ele poderia contactar Mirandela avisando as equipas que andam a trabalhar na linha e que recomeçariam na segunda-feira de manhã.
O aspecto das linhas da via estreita na estação do Tua está completamente mudado. As obras ainda não estavam terminadas, mas fotografei um estradão onde antes estava a linha! As composições abandonadas estão cada vez mais vandalisadas.

No regresso descansei os músculos. Passei 8 horas a andar. Não foi tão cansativo como quando fiz o mesmo percurso na Primavera. Apesar de todas as minhas preocupações com o mau tempo, acabei por beneficiar de um dia bastante aceitável.
Quando ao sinal da rede de telemóvel, conto colocar um post específico para falar disso. Só há sinal de qualidade entre o 7.º e o 9.º quilómetros. Talvez se consiga ligação também entre o 3.º e o 7.º quilómetros. Na estação de Foz Tua e desde o túnel da Falcoeira (9.ºkm) até Brunheda (21.º km) não há qualquer sinal (rede Vodafone).
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
Foz Tua - Abreiro (Parte I)
18-07-2008 Entusiasmado com os percursos na Linha do Tua, decidi fazer mais uma caminhada, desta vez entre Foz-Tua e Abreiro. Ainda tinha na memória as fantásticas paisagens do dia 1 de Maio de 2008. No entanto, como continuei a interessar-me pela Linha, cheguei à conclusão de que houve uma série de coisas que me passaram desapercebidas. Também a paisagem devia estar bastante diferente. Toda a verdura de Abril e Maio já desapareceu, devendo estar tudo bem mais seco.
Este percurso colocou-me dois desafios: o primeiro foi o da distância, de Foz-Tua a Abreiro, são 29 quilómetros; o segundo foi a necessidade de levantar cedo, a automotora partia de Abreiro em direcção a Foz-Tua às 6:25 da manhã!

Acabo por encarar estas caminhadas como um desporto radical, levando cada etapa um pouco mais além, sentindo a adrenalina da aventura. Mesmo sem conseguir dormir grande coisa, antes das seis da manhã, já andava eu a tentar fotografar a noite, na estação de Abreiro. A automotora chegou por volta das seis e um quarto e os primeiros raios de sol, um pouco depois. Tinha grandes expectativas para fotografar o nascer do sol no vale da Linha do Tua, mas a desilusão foi grande. A luz reflectia-se nos vidros da automotora e o contraste de zonas de sombra com zonas de luz, não se compadeciam com o movimento da automotora, ainda que esta se desloque a pouca velocidade.
A animação chegou no apeadeiro de Codeçais, com uma idosa impaciente a rogar pragas ao maquinista e revisor. Estava com receio de perder a consulta, na Régua.
Quando chegámos ao Douro, foi como se as portas do céu se abrissem! O vale do Douro, de nascente para poente, era um rio de luz, fazendo jus ao seu nome, Rio Doiro. Sem pressas, percorri toda a estação, espreitando cada recanto. A luminosidade já permitia fotografar sem problemas. Preparado para a grande jornada, fui ao bar beber uma garrafa de água fresca. A água seria a minha maior preocupação na caminhada.
Às oito menos um quarto, coloquei-me junto ao quilómetro zero. Acho piada à placa do quilómetro zero! É o ponto de partida. Nos primeiros metros, mal consegui desviar os olhos do Douro. Que felicidade a destas pessoas que acordam todos os dias com este espectáculo!...
De repente, uma curva afastou o meu olhar, para outro vale, o Vale do Tua, mais agreste, mal iluminado ainda. - É por ali que eu quero ir.

O quilómetro um tem motivos de interesse suficientes para me fazerem esquecer o Douro: o viaduto e o túnel das Presas. Não fosse a ameaça que evidencia o estradão já aberto na outra margem do rio e sentir-me-ia a entrar no ventre da terra, deixando para trás a porta que se abre e nos mostra um vale cheio de luz. Depois de passar o túnel, o apito de um comboio fez-me olhar para trás. Um comboio de mercadorias atravessava o Rio Tua, na Linha do Douro.
Agora, com mais calma, podia fazer várias tentativas para acertar na fotografia. Esta é uma das situações em que os automatismos todos, de pouco valem, tive de fazer uso de alguma experiência para controlar o diafragma, não obedecendo ao fotómetro.
No início do quilómetro dois são visíveis os vestígios do último acidente havido na linha, com uma Dresina, no dia 10 de Abril. Estranho, este acidente. Neste local, parece impensável dever-se à queda de pedras, que é o perigo mais evidente.

Concentrei-me de novo na linha. Levantando os olhos, vê-se S. Mamede de Ribatua colocado sobre os montes. Parece ali posto para vigiar o rio, que se torce, preguiçoso, no seu lento despertar. A erva seca, atravessada pelos raios de sol, lembram-me campos de trigo de Van Gogh. Quando se pensa que a linha termina de encontro a uma rocha escondida nas sombras, uma nova curva leva-a um pouco mais à frente, num jogo perfeito com o rio. Quase sem dar conta cheguei ao apeadeiro de Tralhariz.

A passagem pelo Túnel de Tralhariz é mais um salto de espaços. Ficam para trás as calçadas com oliveiras, as vinhas tremendamente verdes, as copas esféricas das oliveiras. Espera-nos agora o reino das rochas, matéria prima de toda a criação. Aqui o rio teve dificuldade em abrir o seu caminho, sendo obrigado a descrever curvas mais pronunciadas mas estreitas, procurando desesperadamente o Douro.
Também os engenheiros da linha lutaram com imaginação, aproveitando cada metro, cada palmo, perfurando as entranhas das montanhas em vários pontos. Num ponto específico, a linha não tinha espaço. Colocaram-na sobre o vazio, criando o Viaduto das Fragas Más (que nome mais condizente!). Consultei o horário. Passava pouco das dez da manhã e eu tinha percorrido pouco mais de cinco quilómetros. O lugar é de eleição, decidi que ia esperar pela passagem da automotora. Como tive que esperar quase meia hora, aproveitei para procurar a melhor localização possível e depois descansei um pouco mordiscando uma doce maçã, sempre de olho na linha. A automotora ia sair do Túnel das Fragas Más I, passar sobre o viaduto e entrar no Túnel das Fragas Más II, em poucos segundos. Depois percorreria um largo espaço, dando-me tempo mais que suficiente, para múltiplas fotografias. A minha atenção, com um olho na linha e outro na maçã, era para apanhar a automotora no viaduto, entre os dois túneis.
O som multiplica-se ao longo do rio. Às vezes parece ouvir-se o som do comboio ao longe, mas são miragens, não passa da imaginação e do som das águas revoltosas do rio. De repente a automotora surgiu, vinda das sombras do primeiro túnel. Progredia muito lentamente, permitindo-me várias fotografias.

Pouco depois estava no local fatídico do acidente do dia 12 de Fevereiro de 2007, é impossível não reparar no lugar. Caminhei mais algum tempo e encontrei um ponto onde havia água. Aproveitei para repor a que já tinha bebido. O dia prometia ser quente, muito quente.
Só já esperava encontrar o pequeno apeadeiro do Castanheiro. Está tão “encaixado” na escarpa que só se dá por ele, quando nele se tropeça. Junto ao rio há um conjunto de mós, devem ter existido aqui várias azenhas. As águas levaram quase tudo menos as mós e uma espécie de ponte feita em pedra. É um dos pontos do rio com uma bonita praia de areia branca. Bem me apetecia um banho refrescante.
Subi a um penhasco, estava na hora de passar mais uma automotora. Acompanhei-a desde longe, desta vez no percurso descendente da linha, e passou quase por debaixo dos meus pés.

Retomei a caminhada. O rio e a linha aproximam-se de novo. Aqui e além surgem de novo algumas oliveiras. Não porque os terrenos são melhores, mas porque os acessos são mais fáceis. As oliveiras crescem em locais incríveis, mas têm uma bonita copa, frondosa e arredondada.
No quilómetro nove aparece mais um túnel, o Túnel da Falcoeira. Depois de sair do túnel há uma zona com uma paisagem excepcional, uma das minhas preferidas. Na margem oposta do rio há rochedos que parecem formar construções. Alguns parecem querer cair a qualquer instante, tão frágil é o seu equilíbrio. Também há algumas formações rochosas curiosas junto à Ponte de Paradela, no quilómetro 11.
Quando atingi esta ponte era meio dia e um quarto e tinha percorrido sensivelmente um terço do meu percurso. Levei quatro horas e meia a percorrer 10 quilómetros, quanto tempo me levaria ainda até Abreiro?
Esta aventura continua... aqui
Do blog: À Descoberta de Carrazeda de Ansiães
Este percurso colocou-me dois desafios: o primeiro foi o da distância, de Foz-Tua a Abreiro, são 29 quilómetros; o segundo foi a necessidade de levantar cedo, a automotora partia de Abreiro em direcção a Foz-Tua às 6:25 da manhã!

Acabo por encarar estas caminhadas como um desporto radical, levando cada etapa um pouco mais além, sentindo a adrenalina da aventura. Mesmo sem conseguir dormir grande coisa, antes das seis da manhã, já andava eu a tentar fotografar a noite, na estação de Abreiro. A automotora chegou por volta das seis e um quarto e os primeiros raios de sol, um pouco depois. Tinha grandes expectativas para fotografar o nascer do sol no vale da Linha do Tua, mas a desilusão foi grande. A luz reflectia-se nos vidros da automotora e o contraste de zonas de sombra com zonas de luz, não se compadeciam com o movimento da automotora, ainda que esta se desloque a pouca velocidade.

A animação chegou no apeadeiro de Codeçais, com uma idosa impaciente a rogar pragas ao maquinista e revisor. Estava com receio de perder a consulta, na Régua.
Quando chegámos ao Douro, foi como se as portas do céu se abrissem! O vale do Douro, de nascente para poente, era um rio de luz, fazendo jus ao seu nome, Rio Doiro. Sem pressas, percorri toda a estação, espreitando cada recanto. A luminosidade já permitia fotografar sem problemas. Preparado para a grande jornada, fui ao bar beber uma garrafa de água fresca. A água seria a minha maior preocupação na caminhada.
Às oito menos um quarto, coloquei-me junto ao quilómetro zero. Acho piada à placa do quilómetro zero! É o ponto de partida. Nos primeiros metros, mal consegui desviar os olhos do Douro. Que felicidade a destas pessoas que acordam todos os dias com este espectáculo!...
De repente, uma curva afastou o meu olhar, para outro vale, o Vale do Tua, mais agreste, mal iluminado ainda. - É por ali que eu quero ir.

O quilómetro um tem motivos de interesse suficientes para me fazerem esquecer o Douro: o viaduto e o túnel das Presas. Não fosse a ameaça que evidencia o estradão já aberto na outra margem do rio e sentir-me-ia a entrar no ventre da terra, deixando para trás a porta que se abre e nos mostra um vale cheio de luz. Depois de passar o túnel, o apito de um comboio fez-me olhar para trás. Um comboio de mercadorias atravessava o Rio Tua, na Linha do Douro.
Agora, com mais calma, podia fazer várias tentativas para acertar na fotografia. Esta é uma das situações em que os automatismos todos, de pouco valem, tive de fazer uso de alguma experiência para controlar o diafragma, não obedecendo ao fotómetro.
No início do quilómetro dois são visíveis os vestígios do último acidente havido na linha, com uma Dresina, no dia 10 de Abril. Estranho, este acidente. Neste local, parece impensável dever-se à queda de pedras, que é o perigo mais evidente.

Concentrei-me de novo na linha. Levantando os olhos, vê-se S. Mamede de Ribatua colocado sobre os montes. Parece ali posto para vigiar o rio, que se torce, preguiçoso, no seu lento despertar. A erva seca, atravessada pelos raios de sol, lembram-me campos de trigo de Van Gogh. Quando se pensa que a linha termina de encontro a uma rocha escondida nas sombras, uma nova curva leva-a um pouco mais à frente, num jogo perfeito com o rio. Quase sem dar conta cheguei ao apeadeiro de Tralhariz.

A passagem pelo Túnel de Tralhariz é mais um salto de espaços. Ficam para trás as calçadas com oliveiras, as vinhas tremendamente verdes, as copas esféricas das oliveiras. Espera-nos agora o reino das rochas, matéria prima de toda a criação. Aqui o rio teve dificuldade em abrir o seu caminho, sendo obrigado a descrever curvas mais pronunciadas mas estreitas, procurando desesperadamente o Douro.
Também os engenheiros da linha lutaram com imaginação, aproveitando cada metro, cada palmo, perfurando as entranhas das montanhas em vários pontos. Num ponto específico, a linha não tinha espaço. Colocaram-na sobre o vazio, criando o Viaduto das Fragas Más (que nome mais condizente!). Consultei o horário. Passava pouco das dez da manhã e eu tinha percorrido pouco mais de cinco quilómetros. O lugar é de eleição, decidi que ia esperar pela passagem da automotora. Como tive que esperar quase meia hora, aproveitei para procurar a melhor localização possível e depois descansei um pouco mordiscando uma doce maçã, sempre de olho na linha. A automotora ia sair do Túnel das Fragas Más I, passar sobre o viaduto e entrar no Túnel das Fragas Más II, em poucos segundos. Depois percorreria um largo espaço, dando-me tempo mais que suficiente, para múltiplas fotografias. A minha atenção, com um olho na linha e outro na maçã, era para apanhar a automotora no viaduto, entre os dois túneis.
O som multiplica-se ao longo do rio. Às vezes parece ouvir-se o som do comboio ao longe, mas são miragens, não passa da imaginação e do som das águas revoltosas do rio. De repente a automotora surgiu, vinda das sombras do primeiro túnel. Progredia muito lentamente, permitindo-me várias fotografias.

Pouco depois estava no local fatídico do acidente do dia 12 de Fevereiro de 2007, é impossível não reparar no lugar. Caminhei mais algum tempo e encontrei um ponto onde havia água. Aproveitei para repor a que já tinha bebido. O dia prometia ser quente, muito quente.
Só já esperava encontrar o pequeno apeadeiro do Castanheiro. Está tão “encaixado” na escarpa que só se dá por ele, quando nele se tropeça. Junto ao rio há um conjunto de mós, devem ter existido aqui várias azenhas. As águas levaram quase tudo menos as mós e uma espécie de ponte feita em pedra. É um dos pontos do rio com uma bonita praia de areia branca. Bem me apetecia um banho refrescante.
Subi a um penhasco, estava na hora de passar mais uma automotora. Acompanhei-a desde longe, desta vez no percurso descendente da linha, e passou quase por debaixo dos meus pés.

Retomei a caminhada. O rio e a linha aproximam-se de novo. Aqui e além surgem de novo algumas oliveiras. Não porque os terrenos são melhores, mas porque os acessos são mais fáceis. As oliveiras crescem em locais incríveis, mas têm uma bonita copa, frondosa e arredondada.
No quilómetro nove aparece mais um túnel, o Túnel da Falcoeira. Depois de sair do túnel há uma zona com uma paisagem excepcional, uma das minhas preferidas. Na margem oposta do rio há rochedos que parecem formar construções. Alguns parecem querer cair a qualquer instante, tão frágil é o seu equilíbrio. Também há algumas formações rochosas curiosas junto à Ponte de Paradela, no quilómetro 11.
Quando atingi esta ponte era meio dia e um quarto e tinha percorrido sensivelmente um terço do meu percurso. Levei quatro horas e meia a percorrer 10 quilómetros, quanto tempo me levaria ainda até Abreiro?
Esta aventura continua... aqui
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